A alarmante perda da biodiversidade…
Movidos pelos dados recentemente publicados pelas Nações Unidas através do Relatório do IPBES (Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services), inúmeros meios de comunicação reproduziram em suas chamadas os dados alarmantes sobre o declínio da biodiversidade no planeta.
A grande maioria ressaltou as estimativas do número de espécies ameaçadas, que chega a um milhão! Chegamos à conclusão de que nossas ações de conservação têm sido insuficientes e que se não corrigirmos rapidamente essa rota, comprometeremos as bases da segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo.
Os dados sobre pescado não são novidades para aqueles que acompanham as estatísticas apresentadas periodicamente pela FAO, pois dados já publicados mostravam que em 2015, um em cada três estoques pesqueiros era explorado de forma não sustentável.

Desmatamento para agricultura em Madagascar – Photo credit: Dudarev Mikhail/Shutterstock.com
O polêmico artigo do The Guardian
Mas um artigo de opinião, de um colunista de um conceituado jornal britânico, o The Guardian, chamou a atenção do movimento global pela pesca sustentável. O escritor e ativista ambiental, George Monbiot sugere em seu artigo que a única forma viável de preservarmos a vida nos oceanos é pararmos de comer pescado, inclusive aquele produzido pela maricultura.
Monbiot coloca em dúvida as estratégias e os esforços para a recuperação de estoques, e afirma que sem gestão e fiscalização adequados, nossa única opção para fazer a diferença é deixar de comer peixes. Mas será que os argumentos apresentados são sólidos e cientificamente fundamentados?

Recife de corais mortos devido o aquecimento global, Caribe
Apoio e protesto nas redes sociais
Rapidamente, inúmeras reações de apoio e de protesto surgiram nas redes sociais e páginas da internet. Max Mossler, através do blog do portal Sustainable Fisheries, que tem como proposta explicar a ciência do pescado sustentável. Rebateu e contestou ponto a ponto as colocações de Monbiot, acusando-o inclusive de utilizar de má-fé em seu artigo de opinião.
Embora haja pontos importantes citados pelos dois textos que se contrapõem, acredito que em muitos temas, os dados apresentados se complementam. As controvérsias sobre a efetividade de ações de conservação, como a proibição da pesca em áreas oceânicas, estabelecimento de cotas, criação de áreas marinhas protegidas, uso de tecnologias de controle e monitoramento, entre outros, têm vantagens e desvantagens, pontos fortes e pontos fracos.
Além disso, sempre há como interpretar seus resultados de forma tendenciosa. O importante é conhecer os dois lados da moeda, buscar as fontes das informações, conhecer opiniões, pois ter uma visão ampla do problema nos ajuda a chegar a nossas próprias conclusões.
Devemos pensar em níveis globais
Assim, cheguei à conclusão que a questão central, do consumo de pescado em si, não foi corretamente abordada em nenhum dos textos. Será que deixar de comer peixe vai ajudar a reverter a situação apontada no relatório das Nações Unidas?
Talvez Monbiot tenha se dirigido especificamente ao seu público leitor, que devidamente dimensionado, não deve impactar o consumo global de pescado a ponto de mudar o destino dos estoques pesqueiros.
Mas em nível global, seria desejável que a população humana deixasse de comer pescado? Alguns poderiam dizer que não seria saudável, outros diriam que seria eticamente correto. Mas o que substituiria essa fonte proteica na alimentação humana, sem prejuízo à segurança alimentar e sem destruir outras fontes de recursos naturais?

Trabalhadores aplicando agrotóxico em plantação. Photo credit: Jinning Li/Shutterstock.com
Vamos elencar apenas alguns fatos
- O consumo global per capita de pescado é o maior entre todas as proteínas animais;
- Cerca de 3,2 bilhão de pessoas dependem do pescado como fonte de 20% ou mais da sua ingestão diária de proteína;
- Mais de 800 milhões de pessoas dependem economicamente das atividades pesqueiras e de aquicultura;
- Comunidades costeiras mantém sua identidade cultural, suas tradições e memórias através da pesca;
- Para uma população humana estimada em 9 bilhões, em 2050, não há área suficiente para o plantio de vegetais, que garantam a segurança alimentar da população sem que se comprometam áreas florestais essenciais para o equilíbrio climático do planeta;
- A conversão alimentar dos peixes cultivados é a melhor. A emissão de gás metano é a mais baixa entre todas as atividades de produção de proteína animal, assim como a pegada de carbono (mas há controvérsias quanto à pegada hídrica).
Creio que assim, temos indícios suficientes para dizer que deixar de comer pescado, de forma ampla e generalizada, não resolve a equação posta para a manutenção da biodiversidade do planeta e de seus ecossistemas. Individualmente, cabe a nós fazermos as escolhas mais adequadas, buscando informações sobre a origem e a sustentabilidade do pescado que compramos ou consumimos, de forma equilibrada, consciente e responsável.

Pescadores artesanais que vivem da pesca como meio de sobrevivência. Madagascar. Photo credit: sunsinger/Shutterstock.com